Conforme
as palavras do próprio mestre que dizia ter aprendido a capoeira com a sorte...
"Quando
eu tinha uns dez anos - eu era franzininho - um outro menino mais taludo do que
eu tornou-se meu rival. Era só eu sair para a rua - ir na venda fazer compra,
por exemplo - e a gente se pegava em briga.
Só sei que acabava apanhando dele, sempre”. Um dia, da janela de sua casa, um velho africano de nome Benedito, que sempre assistia as lutas de pastinha disse: “Vem cá, meu filho. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raia vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui".
Só sei que acabava apanhando dele, sempre”. Um dia, da janela de sua casa, um velho africano de nome Benedito, que sempre assistia as lutas de pastinha disse: “Vem cá, meu filho. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raia vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui".
Este
foi o início de mestre Pastinha na capoeira. Vicente Ferreira Pastinha nasceu
em cinco de abril de 1889. Fruto da união entre um espanhol, José Señor
Pastinha e de uma baiana, Eugênia Maria de Carvalho, nasceu na Rua do Tijolo em
Salvador, Bahia.
Depois
que o menino conheceu o velho Benedito, passou a frequentar a sua casa todos os
dias, treinando e aprendendo as mandingas dos escravos, até que certa vez se
encontrou com seu rival mas desta vez foi diferente. Pastinha acabou levando a
melhor deixando o menino no chão e sem entender nada. Dizem os relatos que
acabaram tornando-se amigos depois.
Durante
esse período, o menino pastinha também frequenta o Liceu de Artes e Ofício,
onde aprende entre outras coisas a arte da pintura. Em 1902 Pastinha entra para
e escola de aprendizes marinheiros, onde passaria oito anos de sua vida. Lá ele
ensina a arte da Capoeira aos seus colegas e aprende também a arte da esgrima e
a tocar violão. Em 1910, deu baixa na marinha, com 21 anos, resolvido a se
dedicar à pintura e ao ensino da capoeira (às escondidas porque a capoeira
ainda era proibida pelo código penal), neste período começa a ensinar o seu
primeiro aluno: “Raimundo Aberrê”, que conforme mestre Pastinha ia todos os
dias à sua casa aprender a capoeira. De 1913 a 1934, Mestre Pastinha se afasta
da capoeira devido à forte repressão da época que mantinha a sua prática na
ilegalidade. Nesse tempo, mestre Pastinha que sempre desejou viver da sua arte,
teve que trabalhar como, pintor, pedreiro, entregador de jornais e até tomou
conta de casa de jogos. Este último relatado por ele próprio:
“Passei
a tomar conta de casa de jogo. Para manter a ordem. Mas mesmo sendo capoeirista
eu não descuidava de um facãozinho de doze polegadas e de dois cortes que
trazia comigo. Jogador profissional daquele tempo andava sempre armado. Assim
quem estava sem arma nenhuma no meio deles bancava o besta. Vi muita arruaça,
algum sangue, mas não gosto de contar causos de briga minha.”
A primeira academia
Em
1941 Mestre Pastinha é convidado pelo seu antigo aluno Aberrê a assisti-lo numa
roda no bairro da Gengibirra, onde segundo o mestre, era um ponto de encontro
dos maiores mestres de capoeira da Bahia. “Lá só havia mestre, não tinha
alunos” – dizia Pastinha. Aberrê disse que perguntaram quem tinha sido seu
mestre e ele dizendo o nome de Pastinha mandaram chamá-lo ao qual Aberrê
imediatamente o fez. Ao chegar à roda, Pastinha foi apresentado para um mestre
conhecido como “Amorzinho”, um guarda civil que tomava conta da roda e
imediatamente entregou o berimbau e a responsabilidade para o mestre.
Estavam lançadas as sementes do que seria a primeira escola de Capoeira Angola.
Foi fundado então o CECA, Centro Esportivo de Capoeira Angola, nome dado pelo
próprio mestre, localizado no Largo do cruzeiro de São Francisco. Após a
morte de Amorzinho, em 1943, o centro foi abandonado por todos os mestres, mas
mesmo assim Pastinha continuou.
Em
fevereiro de 1944 há uma reorganização e em 23 de março do mesmo ano vão para o
Centro Operário da Bahia. Em 1949, num domingo Pastinha foi convidado por dois
camaradas para ver um terreno na fábrica de sabonetes Sicool no Bigode, onde
recebeu o apoio e auxilio dos moradores. O centro ali se instalou e foram
feitas as primeiras camisas em preto e amarelo, cores inspiradas no Clube
Atlético Ypiranga, clube muito querido pelo mestre e pelas classes sociais mais
populares de Salvador. Uma das curiosidades dessa época é que Mestre
Pastinha, avaliando cada um dos seus alunos, fazia um desenho na camisa,
conforme os seus movimentos mais característicos.
Enfim o reconhecimento
Finalmente
em 1° de outubro de 1952 o CECA foi oficializado. Veja o artigo original
abaixo:
“O
Centro Esportivo de Capoeira Angola, fundado a 1° de Outubro de 1952, com sede
na cidade de Salvador, Estado da Bahia, é constituído de número limitado de
sócios, tem a finalidade de ensinar, difundir e desenvolver teórica e
praticamente a capoeira de estilo genuinamente “Angola”, que nos foi legada
pelos primitivos africanos aportados aqui na Bahia de Todos os Santos.”
Em
maio de 1955, o CECA muda de endereço e vai para o Largo do Pelourinho n° 19,
onde permaneceu por 16 anos. Durante esse tempo Mestre Pastinha ficou muito
conhecido chegando a ser entrevistado por jornais e revistas importantes da
época. Sua academia recebia visitas ilustres como, Jorge Amado, o ilustrador
Carybé, o filósofo Jean Paulo Sartre, o ator Jean Paul Belmondo, além de
turistas de todo o Brasil.
Em
cinco de julho de 1957, Mestre Pastinha apresenta a capoeira angola com seus
alunos no festival Bahiarte, na Lagoa do Abaeté onde ocorre o seu primeiro
encontro com Mestre Bimba. Os dois demonstraram passividade e respeito um pelo
outro, deixando transparecer que a rivalidade entre os angoleiros e regionais,
era criada pelos alunos e não pelos Mestres. O CECA ainda foi apresentado em
vários outros estados, como, Pernambuco, Minas-Gerais, Paraná, Rio Grande do
Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.
Em
1964 o Mestre publica o seu livro intitulado “Capoeira Angola”, onde o escritor
Jorge Amado teve o prazer de escrever:
O mestre e Jorge Amado
|
“...
mestre da Capoeira de Angola e da cordialidade baiana, ser de alta civilização,
homem do povo com toda a sua picardia, é um dos seus ilustres, um dos seus
abas, de seus chefes. É o primeiro em sua arte. Senhor da agilidade e da
coragem, da lealdade e da convivência fraternal. Em sua escola no pelourinho,
Mestre Pastinha constrói cultura brasileira, da mais real e da melhor...”
Além
do livro, o mestre gravou também um disco com cinco faixas. O disco intitulado "Pastinha eternamente" conta com depoimentos na voz do próprio mestre e
músicas de capoeira, cantadas por Mestre Traíra. Este disco é simplesmente uma
raridade e está disponível para download na internet. No final do post
disponibilizarei o link para o download.
Em
abril de 1966, integrou a delegação brasileira no 1° Festival de Artes Negras,
no Senegal, Dakar na África, onde recebe várias homenagens e confirma que na
África não existe qualquer coisa que se pareça com a nossa capoeira. Com todo
esse destaque Mestre Pastinha começa a receber o apoio de várias instituições
governamentais até que em 1971 o destino (ou o sistema) lhe pregaria uma grande
peça.
O golpe, a ingratidão, o descaso
Em
1971 aos oitenta e dois anos de idade, Pastinha já quase cego por causa de uma
catarata, é obrigado pela prefeitura a se retirar do casarão, que entraria em
reformas, com a promessa de que assim que estivesse pronto poderia voltar. E
voltou?
Mestre
Pastinha teve então que se mudar. Foi morar na Rua Alfredo Brito n° 14 no
Pelourinho, em um quarto escuro, úmido e sem janelas.
Único lugar que dava para pagar com o mísero salário que recebia da prefeitura,
já que não podia contar mais com o dinheiro das aulas. Ainda na mudança, foram
perdidos muitos móveis, quadros que o mestre pintava e fotografias, que juntos
hoje, constituiriam um grande acervo cultural da nossa história.
Para
piorar o prédio foi doado para o Patrimônio Histórico da Fundação do Pelourinho
que posteriormente o vendeu para o SENAC que transformou o prédio em um
restaurante.
Este
foi um dos maiores absurdos praticados contra a nossa cultura. Mestre Pastinha
foi usado, enganado e abandonado.
Tristeza
Após
a mudança e a perda de sua academia, Pastinha entra em uma profunda depressão e
em 1979 com 90 anos é vítima de um derrame cerebral, que o levou a ficar
internado por um ano em um hospital público. Após esse período foi enviado para
o abrigo para idosos Dom Pedro II, onde permaneceu até a sua morte. Mestre
Pastinha morreu cego, quase paralítico e abandonado.
No
dia 13 de novembro de 1981, aos 92 anos, o Brasil perdia um dos seus maiores
mestres. Não só o mestre da capoeira angola, mas o mestre da filosofia popular.
O menino fraco e magrinho que conquistou o respeito e admiração do mais forte.
A estrela ainda brilha
Mestre
Pastinha foi um dos maiores ícones da cultura do Brasil. Dedicou sua vida
inteira em favor da nossa cultura, ajudou a tirar a capoeira da ilegalidade e a
colocá-la no seu devido lugar como prática esportiva e cultural, preservou e
divulgou a nossa arte até fora do país, ensinou jovens e adultos a enxergar a
vida de uma forma simples, mas nobre. Mestre Pastinha foi uma estrela que veio
para a terra em forma de homem, para nos ensinar a filosofia da simplicidade,
mas teve que voltar ao céu, pois o seu brilho já não cabia mais aqui em um
lugar tão pequeno. Um homem que transformou e formou crianças em grandes
adultos e fez os mais velhos brincarem como crianças, literalmente de pernas
pro ar.
Os frutos
Os
mais antigos discípulos do mestre em atividade são: Mestre João Pequeno, que
reabriu o CECA um ano depois da morte de Pastinha, no Forte de Santo Antônio
do
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